Imagem Responsiva

Glamourização X estigmatização: o que há por trás das telas

Estrelas do conteúdo erótico estampam com seus milhões a capa da indústria pornô. Dos anos 2000 até hoje, as promessas de lucro passaram do DVD à internet com êxito. Mas o preconceito com quem faz pornografia também tem vida longa


Modelos e atrizes que compraram apartamentos, casas, carros e adicionaram milhares de reais às suas contas bancárias iniciaram, ainda nos anos 2000, uma glamourização em torno da indústria pornográfica. Com cachês exorbitantes e brincando com a contradição do público brasileiro que condena, mas assiste, figuras da televisão aberta apostavam na hipocrisia e depositavam na venda de fotos com nudez e vídeos de sexo explícito a esperança de chegarem ao ápice. E funcionou, para poucas pessoas, por poucos anos.

Atraindo subcelebridades em busca de ascensão e famosos que precisavam dar uma guinada na carreira, a revista Playboy e a produtora de filmes pornô Brasileirinhas aproveitaram até o último suspiro erótico desse mercado chamado de “pornô de celebridades”, que se transformou com a popularização da internet.

Um dos símbolos dessa era, Rita Cadillac, representa bem essa transição. Isso porque, depois de conquistar muito dinheiro e visibilidade com a pornografia tradicional, a ex-chacrete assistiu essa indústria ‘broxar’, mas não se deixou levar com ela: está presente agora na maior aposta do mercado sexual, o OnlyFans.

A plataforma – e o modo como ela atrai seus usuários – digitalizou o caminho já traçado pelo pornô de celebridades do começo do milênio, chamando a atenção de ex-BBBs, subcelebridades, modelos e influenciadores para venderem sua intimidade em troca de fama e dinheiro rápido. Esse novo pornô instagramável (com chamadas sensuais nas redes) mudou o modelo de negócios e fez com que os próprios atores e atrizes se filmassem e dominassem o rumo de suas carreiras.

Segundo Mayara Medeiros, diretora de filmes pornô, além de terem mais autonomia, os performers têm preferido as plataformas digitais porque lá eles garantem rendimento contínuo do conteúdo gravado e não apenas o cachê que receberiam da produtora, aumentando seu lucro.

Assim como Rita Cadilac e Gretchen já foram um dia, hoje famosas como Mirella, Susy Cortez e Renata Frisson (conhecida como “Mulher Melão”) fazem parte da vitrine desse mercado erótico, todas afirmando já terem faturado mais de R$1 milhão com a venda de conteúdo no OnlyFans. No entanto, Mayara alerta que essa é uma aposta arriscada.

Segundo a diretora, ter números expressivos nas redes sociais é fundamental para ter sucesso nessas plataformas, já que elas funcionam com algoritmos que privilegiam o maior número de interações. Assim, quem aparece na primeira página são as pessoas que realmente lucram e “a partir da quinta página, estão os operários que fazem aquela plataforma funcionar, porque são milhares de trabalhadores subindo conteúdo, dando a sensação de que aquele é um mundo a ser explorado, só que essas pessoas de fato não estão ganhando tanto dinheiro”, alerta Mayara.

A doutoranda em ciências sociais Carolina Bonomi reitera que o número de seguidores dispostos a migrar das redes sociais para a plataforma é decisivo para o sucesso do criador de conteúdo, por isso pessoas que já são conhecidas tiram uma receita maior. Ela também traça um paralelo entre a popularização do OnlyFans e o percurso da pornografia brasileira dos anos 2000:


“A gente teve atores globais que começam a fazer filmes [pornográficos] e com isso se deu uma visibilidade muito grande pros filmes brasileiros. A mesma coisa aconteceu com as plataformas de conteúdo adulto”, explica Carolina. “Quando entrou a pandemia, pessoas famosas, sabendo do uso do OnlyFans, começaram a vender o seu conteúdo para manter ali a sua renda”.


Apostando em rentabilizar algo que já fazia na rede social X, Alexandre Diorio, mais conhecido como Alê, foi incentivado pelos amigos a entrar nas plataformas de conteúdos pornográficos. Inspirado pela ideia de produzir fotos e vídeos que seriam barrados em outras redes sociais, ele viu no OnlyFans uma possibilidade de explorar sua criatividade. Além disso, a visão ilusória de que seria fácil e rápido ganhar dinheiro o convenceu a encarar esse “plano B”, porém, mesmo já sendo uma pessoa conhecida na internet, ele se decepcionou com os primeiros resultados.


“Não foi como eu imaginei. Não que eu me arrependa de ter feito, mas é igual a uma horta, você não joga semente lá e tudo vai nascendo, tem que ser cultivada. É vendida uma imagem muito próspera, ainda mais por eu ter um corpo padrão e um certo conhecimento de existência na internet. Diziam que logo eu colheria resultados, então fui na expectativa", conta Alê.


O influenciador acredita que o aumento de produtores e usuários também representa uma quebra de paradigmas. “Você vê todos os corpos fazendo um conteúdo adulto porque as pessoas vão vendo que existe tesão para todo tipo de pessoa e para todo tipo de coisa. Até aquilo que você menos espera alguém pode curtir, então porque não tentar tirar uma grana disso?”, argumenta.

O fato é que se você não for uma das pessoas famosas a criar o perfil na plataforma, vai precisar de trabalho, estratégia e persistência para, então, receber um lucro mensal suficiente para viver com algum conforto. Mas isso está muito longe do milhão de que algumas se vangloriam.

Não há sucesso sem estratégia

No caso de Amora [nome fictício], a estratégia por trás de sua criação de conteúdo foi fundamental para que ela se estabilizasse no OnlyFans. Pela maioria de seu público estar fora do Brasil, ela dirige toda sua comunicação para os gringos, mantendo suas redes em inglês. A performer segue uma estética cosplay que remete à cultura oriental, então se dedica a comprar roupas, perucas e acessórios para profissionalizar sua criação de conteúdo.

Enzo [nome fictício], seu namorado, a ajuda com a divulgação nas redes sociais desde o começo, período que o trabalho precisou ser mais intenso. Por não ser conhecida na internet, todas as redes sociais de Amora precisaram ser trabalhadas diariamente, além de responder a todos que mandavam mensagens, independente da plataforma.

“Todo dia tinha que acordar umas seis horas da manhã para postar por conta dos outros fusos. Era uma maratona de ficar respondendo e fazendo o público crescer, mas depois de uns seis, sete meses de trabalho, ela [Amora] já estava bem estabilizada e começou a crescer mais organicamente”, explica Enzo.

Agora, um ano depois de trabalhar com conteúdo de sexo explícito, Amora consegue sustentar a casa em que vive com a mãe e alimentar os 20 gatos de estimação. Sem pretensão de iniciar outra carreira, ela pretende continuar produzindo conteúdo por um tempo.

Lily Sophiya teve um começo parecido, com muita divulgação nas redes sociais. Depois de ser lojista e fazer artesanato, ela descobriu no OnlyFans uma maneira de ganhar mais dinheiro com menos esforço, mas isso não significa que não há empenho.

A influencer define mensalmente um tema para abordar nas fotos e vídeos para as plataformas. Geralmente, faz um ensaio com 40 fotos que serão usadas para a divulgação do conteúdo nas redes sociais e um vídeo, em que a parte apenas erótica será vendida com um valor mais baixo e o material completo, com a parte explícita, será vendido mais caro. Mesmo que alguns criadores tentem se manter no sensual, é certo: com conteúdo explícito, se ganha mais dinheiro, mais rápido. Com essa estratégia, ela faz do OnlyFans sua única fonte de renda.

Seguindo uma estética kawaii - inspirada em animes, mangás e demais elementos da cultura japonesa - e investindo nos cosplays, Lily, assim como Amora, é branca, magra e corresponde aos padrões de beleza orientais, então “juntou o útil ao agradável” e investiu em produzir conteúdo pensando nesse nicho.

Mesmo não ficando milionárias com a venda de conteúdo, dá pra dizer que Lily, Amora e Alê tiveram sucesso no ramo, porque conseguem manter uma renda estável por meio de suas estratégias de divulgação. Alguns produtores podem não alcançar nem isso.

Pirâmide do sexo

Como já divulgado pela própria plataforma em 2020, 1% das contas no OnlyFans ganham 33% do total arrecadado, que seria onde Mirella e a Mulher Melão estariam servindo de vitrine para atrair novos usuários. Ainda fazendo parte do topo privilegiado da pirâmide da pornografia, estão 10% das contas que, segundo o mesmo relatório, ganham 73% do dinheiro.


Isso significa que 90% dos produtores de conteúdo dividem apenas 27% do dinheiro.


Ainda, é importante considerar que nada garante que o criador continue fazendo sucesso na plataforma ao longo do tempo. Cada vez mais, os seguidores pedem conteúdos diferentes e mais explícitos, cabendo ao criador decidir até onde chegar.

Núbia Oliiver, apresentadora e modelo, trabalha com o OnlyFans desde o começo de 2020, publicando na plataforma fotos e vídeos de nu artístico, conteúdo com o qual trabalhava também em revistas. Ela relata que, com a popularização da plataforma, muitas pessoas passaram a produzir conteúdo erótico e sexual, de forma que fica difícil se destacar dentre tantos perfis.

Por já ser conhecida por seus trabalhos anteriores, Nubia mantém um público fiel tanto no OnlyFans quanto em plataformas brasileiras, mas afirma que, por não publicar sexo explícito, acaba “não sendo mais novidade”.

“Não espere de mim uma pornografia, um sexo explícito ou uma cena íntima com alguém. Eu entrego ali sensualidade, vídeos, making offs das minhas fotos e o que acontece é que [na plataforma] acaba tendo muitas outras opções que acabam entregando um conteúdo mais voltado para o lado sexual”, afirma Núbia.

Martina Oliveira também fala da relevância de ter seguidores nas redes sociais antes de abrir uma conta em plataformas como o OnlyFans. Na visão dela, para o sucesso perdurar, tem que haver muito trabalho envolvido: “Quando tu abre a plataforma, é muito comum alcançar muitos assinantes ou muito dinheiro porque você já vai ter alguns seguidores do Instagram ou outra rede que vão estar interessados. Só que isso vai durar pouco tempo, se tu não tiver uma estratégia de divulgação”, relata Martina.

Luana Couto, “Gata do Flamengo” e com uma carreira consolidada tanto como modelo quanto em plataformas de conteúdo adulto, apesar de manter um bom rendimento e reconhecimento pelo seu trabalho, conta que sentiu preconceito das marcas brasileiras por não quererem se associar com pessoas que fazem algum tipo de trabalho sexual.

A produtora afirma ter perdido parcerias logo no início, isso mostra que, mesmo executando uma boa estratégia de marketing, promovendo sua imagem e, inclusive, fazendo outros tipos de trabalhos, é mais difícil transmitir credibilidade para quem está presente em plataformas de conteúdo adulto, sobretudo, mulheres.

O ganho e a perda

Se, por um lado, há uma glamourização da produção de conteúdo sexual quando se divulga os lucros das famosas, há, por outro, a estigmatização que as persegue partindo da esfera profissional – que dificulta migrar para outras profissões – até a pessoal, em relação à própria família e aos comentários da sociedade em geral.

Luana afirma que, apesar de ser o que a faz feliz atualmente, nem tudo são flores. “Eu gosto dessa pegada de exibição, mas não vou mentir para você falando que é fácil e que é só coisa boa, eu já dormi e acordei chorando muitas vezes, tem mês que eu surto e me dá vontade de desistir”, desabafa.

Martina também conta que, mesmo não sendo seu foco de vida agora, o estigma sobre sua profissão atrapalha bastante sua vida amorosa. O machismo parece se intensificar em aplicativos de relacionamento em que os homens veem na garota apenas uma satisfação sexual e ignoram qualquer possibilidade de desenvolver uma relação mais profunda. Além disso, os próprios amigos têm algumas ressalvas.


“Eu tenho muitos amigos homens e suas namoradas não gostam que eu saia com eles e não querem me convidar para as coisas. Elas acham que sou maluca, que vou ficar com eles ou fazer loucuras só por causa do meu trabalho. Então acabei perdendo muitas festas e muitos rolês por causa desse preconceito”, lembra Martina.


A estigmatização, por vezes, é o que puxa para a realidade o criador de conteúdo imerso no “tesão”. Para Alê foi mais ou menos assim. Quando começou a publicar material explícito no X, relata que se sentiu “a Angel de Verdades Secretas”: cobiçado, gostoso e com um futuro luxuoso pela frente. Ele se apegava nos rapazes com que fazia parcerias e idealizava um romance que nunca continuava depois do gozo. Ele descontava no sexo seu desejo de ser quisto. Inclusive, essa frieza nas relações é uma das coisas que ele gostaria de ter tido consciência antes de entrar na plataforma, assim como a armadilha da comparação e dos cuidados que precisaria ter com a saúde mental.

Núbia concorda sobre a importância de estar ciente de como o mercado funciona antes de entrar para a plataforma: vai haver pirataria; os picos de sucesso vão oscilar; e a profissão “tem seu ganho e sua perda, não adianta você entrar numa plataforma e achar que só vai ter ganhos”.

Estar preparado para lidar com o julgamento da sociedade, com a exposição dentro e fora das plataformas e com a autocobrança para monetizar cada vez mais o seu prazer são pontos importantes a considerar antes de pensar no lucro.

Luana passou por esse processo e afirma que, hoje, os comentários negativos não a afetam mais e que, inclusive, geralmente não mantém pessoas conservadoras dentro do ciclo social. Quanto aos relacionamentos, ela segue o mesmo princípio e hoje namora uma pessoa que a entende e a apoia.

Ainda mais delicada do que a questão romântica e das amizades, é a reação da família. Para Luana, a situação foi difícil no começo e não pôde contar com o amparo dos pais para continuar na profissão; já seu irmão lhe deu total apoio e foi um aliado para que ela seguisse. Com o tempo e vendo que a produção de conteúdo adulto propiciava a independência financeira da filha, os pais também entenderam.

Alê e Amora tiveram uma experiência parecida dentro de casa. Depois que mostraram que podiam se sustentar – e, inclusive, sustentar a casa – o estigma caiu e os pais se mostraram abertos para a ideia.



A produção de conteúdo, para muitos dos entrevistados, foi a porta para a independência financeira. Superando tanto as promessas falsas de enriquecer rapidamente quanto o julgamento da sociedade, foi a opção encontrada para trabalhar de forma honesta.