Imagem Responsiva

Nos camarins do sexo

Despidos da ‘moral’ e dos ‘bons costumes’, os trabalhadores sexuais questionam paradigmas sociais e traçam um novo caminho para a visibilidade no mundo digital


Lily afirma que sempre gostou do erótico, de tirar fotos sensuais, tinha facilidade em posar para a câmera. Alê diz que, se pudesse, transaria o dia inteiro. Construindo uma carreira na internet, seja no Instagram apostando em beleza e criatividade, ou no X (antigo Twitter) investindo em conteúdo sexual, se expor nunca foi um problema para nenhum dos dois.

A narrativa é parecida também para Martina, que se viu exposta de várias maneiras: seu carisma e personalidade a destacaram nas redes sociais e seus vídeos íntimos, nas plataformas de conteúdo adulto.

Com o avanço da midiatização, as relações sociais se difundem entre o mundo real e o digital, assim também ocorrem com as relações sexuais e as de trabalho. Os performers usam a produção de conteúdo como maneira de canalizar seus desejos, borrando ainda mais as divisões entre trabalho, prazer, vida sexual e social.

Gabriela Almeida, doutora em comunicação e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), cita o conceito de “pornificação de si”, em que, mesmo nas redes sociais em que a nudez não é permitida, há um conteúdo que remete à pornografia e “que tem a ver com essa falta de limite muito claro entre público e o privado que as redes sociais tornaram muito visível”, explica.

Nesse contexto, Lorena Caminhas, pesquisadora de estudos de gênero e pós-doutoranda na Universidade de São Paulo (USP), relaciona essa fusão de esferas da vida com a evolução do mercado pornográfico para as plataformas digitais, pois, além de permitirem a expansão geográfica, nelas se desenvolveram outras frentes de trabalho sexual, como o camming – interações ao vivo via webcam – e produções pornográficas alternativas, que fogem do que era veiculado em meios mais convencionais como a televisão e o cinema. Então, segundo a especialista:



Mas, então, como distinguir o que é trabalho dentro dessa canalização de desejos? Como define a advogada e doutora em direito Alessandra Margotti, “o trabalho sexual é a venda de serviços sexuais ou eróticos em troca de compensação material”, então a veiculação de fotos e vídeos em plataformas como o OnlyFans e a Privacy se enquadram como prática profissional equiparável, segundo Alessandra, à própria prostituição, que foi reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2001.

Não há dúvidas, portanto, de que a comercialização de relações sexuais e de conteúdo erótico por meio de plataformas é uma forma de trabalho. Isso não garante, porém, que os sexworkers deixem a marginalização, já que não existe uma regulamentação específica para a profissão, além da aplicada para trabalhadores autônomos.

Assim, a falta de amparo jurídico do trabalho sexual e do trabalho plataformizado atingem duplamente os produtores de conteúdo. Junto disso, o estigma social dificulta a prática segura da profissão, aumentando os riscos de pirataria, vazamentos e hate [discursos de ódio e ameaças no meio digital].

A advogada reitera que o uso das plataformas como complemento ou substituição da prostituição faz parte da tranformação dos serviços sexuais e da veiculação de pornografia. E seja qual for o tipo de produto comercializado, na internet ou presencialmente, é importante diferenciá-lo da exploração sexual. Alessandra explica:



A partir disso, é possível diferenciar os tipos de trabalho sexual exercidos online. Segundo Gabriela, existem três principais produtos quando se fala do trabalho sexual plataformizado: a pornografia veiculada em sites como o Xvideos, Pornhub, entre outros, que é o mais parecido com o pornô tradicional anterior à internet; o camming, que mantém uma relação direta com o público e as plataformas como o OnlyFans e a Privacy, em que as pessoas postam seus conteúdos em troca de assinatura.

Os sites pornôs de visualização gratuita foram um dos principais responsáveis pelo fim da pornografia tradicional e representa a transição de modo do consumo do DVD e cinema para a internet. Ali, iniciou-se um consumo de conteúdo sexual gratuito, sob demanda e que mesclava o profissional – com as produtoras de filmes ainda existentes – e o amador – das pessoas que se filmavam em casa, solo ou com parceiro(a).

O camming, popularizado principalmente com a Camera Prive, foi um dos primeiros produtos de sexo virtual, em que o usuário pagava para ter um contato mais personalizado com a garota, via webcam. Os encontros eram ao vivo, individuais e permitiam um novo tipo de contato entre produtora de conteúdo e público.

Unindo a comodidade de ter vídeos à disposição e a possibilidade de ter conteúdo personalizado, os consumidores migraram para o OnlyFans, dispostos a pagar pelos pacotes, geralmente mensais, de conteúdo sexual. Ali, encontram-se vários dos subprodutos do sexo, profissionais e amadores, personalizados e gerais, digitalizando de vez o mercado e originando um tipo próprio de modelo de negócios e de consumo.


Descrição da imagem

Boom durante a pandemia


Ao redor de todo o globo, o dia 11 de março de 2020 foi um marco determinante no caminhar político, econômico e social da contemporaneidade. Na ocasião, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a Covid-19 como uma pandemia. A ação reconhecia a gravidade da doença e alertava os países sobre a necessidade de se implementar medidas para evitar a disseminação do coronavírus.

Dado que a transmissão direta da doença ocorre por meio do ar ou pelo contato com secreções contaminadas (inclusive, de indivíduos assintomáticos), limitar a circulação em espaços públicos e privados foi uma das principais e mais importantes políticas no combate ao agente patogênico. O distanciamento social acarretou na paralisação de atividades não essenciais, tais como festivais, cultos, comércio e, até mesmo, trabalho presencial.

A crise gerada pela Covid-19 não afetou apenas a saúde física e mental daqueles que viveram os três anos de pandemia, mas, também, foi responsável por redefinir desde a forma de trabalhar até a de consumir conteúdos. Muitas dessas mudanças de comportamento mantiveram-se mesmo depois de decretado o fim da pandemia, em 5 de maio de 2023, influenciando nos mais diversos aspectos da vida pública e privada.

Apesar da eficiência do distanciamento na contenção das infecções, as mudanças forçadas de comportamento da população e as limitações do mercado conduziram os países – em especial, aqueles em desenvolvimento – a um contexto de enfraquecimento de suas economias. Com isso, muitas regiões, como o Brasil, enfrentaram um cenário de fechamento de empresas, elevação do desemprego e precarização dos trabalhos.

Segundo a Pesquisa Pulso Empresa, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 33,5% das empresas no primeiro semestre de 2020 reportaram que a pandemia trouxe efeitos negativos aos negócios. Cerca de 40,3% delas apresentaram dificuldades para realizar pagamentos de rotina e, por isso, adotaram medidas como a adesão aos serviços online (28,6%), a antecipação das férias (20,1%) e, em casos mais graves, a demissão de funcionários (8,1%).

Neste mesmo período, o Brasil passava por uma grave crise política, econômica e social. Segundo dados do IBGE, em 2020, vinte estados brasileiros tiveram taxa média de desemprego recorde, acompanhando o crescimento da média nacional, que foi de 13,5%.

Esse cenário, alinhado com as medidas de prevenção contra a pandemia, forçou a sociedade a buscar alternativas para sobreviver. Muitas pessoas passaram a vender doces, trabalhar em home office, e outras práticas para conseguir renda durante esse período. Entre elas, a venda de conteúdo adulto em plataformas online.

Se antes, trabalhos sexuais, como a prostituição e a pornografia, podiam ser encontrados mais facilmente nas ruas ou em sites alimentados por produtoras profissionais, hoje, plataformas como a Privacy ou o OnlyFans, que atualmente possui mais de 220 milhões de usuários consumidores e 3 milhões de produtores, possibilitam um acesso mais fácil a vídeos e fotos de teor adulto recreativo de forma personalizada e intimista.

Gabriel Coimbra, produtor de conteúdo adulto, por exemplo, conheceu o OnlyFans durante esse período. Ele viu na plataforma uma maneira rápida de ganhar bastante dinheiro.


“Conheci durante a pandemia, quando tava todo mundo trancafiado dentro de casa. Eu comecei a usar o Twitter [X] e vi as pessoas colocarem esse link, do OnlyFans, nas suas respectivas biografias. Isso me despertou a curiosidade. Eu vi um menino brasileiro falando um pouco sobre o assunto, entrei em contato e a gente começou a conversar, e eu tirei algumas dúvidas. Eu de fato me interessei, o lado financeiro me chamou bastante atenção. Eu achava que poderia ser uma boa oportunidade para mim”, testemunha Gabriel.


Mesmo com o crescimento e a popularização das plataformas, questões históricas se mantêm pujantes. De acordo com Lorena Caminhas, a atividade sexual é precarizada por se manter em um status de indefinição, “um trabalho que não é trabalho”. Apesar de reconhecido por lei, não recebeu nenhuma regulamentação que proteja provedores e usuários desse serviço.

A precarização do trabalho sexual refere-se às condições desfavoráveis e muitas vezes perigosas enfrentadas por profissionais do sexo, sendo resultado de várias circunstâncias, incluindo estigma social e de regulamentação inadequada, discriminação e falta de proteções.




Trabalho sexual na era digital


O corpo é a última barreira da ordem do estritamente íntimo, intrinsecamente pessoal e privado. Aqueles dispostos a vender esse bem, só o fazem como último recurso, por pura necessidade. Certo?

A realidade não é bem assim. De acordo com Bianca Longhitano, psicóloga e mestra em desenvolvimento e aprendizagem, a venda de corpos no sistema capitalista é muito mais comum do que se imagina: “O corpo como ferramenta de trabalho, é para todos os empregos”. Todo o indivíduo que precisa vender a força de trabalho para se sustentar, está vendendo o próprio corpo também.

Modelos, atores, atletas e dançarinos também usam o corpo como o principal instrumento de trabalho, muitas vezes envolvendo exposição física, performance, aparência e habilidades corporais como parte essencial da atividade profissional. Porém, apenas profissionais do sexo são discriminados e ficam sem outras opções de trabalho.

A criadora de conteúdo Luana Couto começou como modelo de portfólio, vendendo fotos ocasionalmente, quando abordada. “Eu sempre gostei muito de posar para fotos de exibicionismo. Mas, por conta da sociedade, eu não vendia com medo do julgamento das pessoas". E Luana não é a única, Lily Sophiya, que também está nas plataformas de conteúdo adulto, revelou sempre ter se sentido atraída pela modelagem erótica, porém, abandonava essa paixão por medo de influenciar os relacionamentos amorosos.

Casos como esses mostram que os produtores estão seguindo suas vontades, na intenção de trabalharem com o que gostam. A oportunidade em ter autonomia também é um dos maiores atrativos das plataformas digitais, uma vez que têm total controle sobre o conteúdo que compartilham em suas contas, podendo decidir o que publicar, quando e a que preço.

“A maioria dos meus vídeos é baseado em filmes que eu amo ou em cenas que eu gosto. Por isso que eu falo que é arte. Tenho inspirações em diretores, clipes ou até trilhas sonora”, descreve Alexandre Diorio (mais conhecido como Alê).

O influencer busca exercitar seu lado criativo em suas produções. Contudo, quando perguntado sobre sua equipe de produção, Alê diz fazer tudo sozinho, desde a busca por parcerias até as estratégias das redes sociais: “Minha equipe de produção são os ‘divertidamente’ dentro da minha cabeça”.

Para serem bem sucedidos nas plataformas, os produtores devem constantemente atrair novos assinantes através de prévias, que são vídeos curtos exibindo parte do conteúdo. No Instagram, as prévias são limitadas em relação à sensualidade, enquanto no X é permitido o conteúdo explícito. Seguindo essa lógica, ao trabalhar no OnlyFans, o sexworker não só desempenha papéis como diretor, produtor, roteirista, maquiador, figurinista, cinematografista, técnico de som e editor de seus próprios vídeos, mas também atua como gestor de redes sociais, ajustando os conteúdos aos algoritmos de diversas plataformas distintas.

Tal acúmulo de atribuições exige uma quantidade exacerbada de dedicação, muitas vezes superando o teto de oito horas estabelecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Nicolly Zuichër prefere o atendimento presencial às plataformas devido à praticidade. “No virtual, eu gosto de brincar, porque, como foco de trabalho, isso acaba me tomando um tempo que eu poderia estar atendendo clientes, o que eu prefiro muito mais”, complementa.

Sany Ferreira, que assim como Nicolly, trabalha tanto no online como no presencial, salientou a questão financeira. Enquanto o pagamento é imediato ao atender um cliente, na plataforma, pode demorar mais de sete dias para o valor ser depositado.

Muitos produtores que optam por permanecer apenas online acabam sendo compelidos a diversificar seus materiais, aderindo a subprodutos como os pedidos personalizados. Por meio de pagamentos adicionais, os assinantes podem ter acesso a conteúdos feitos exclusivamente para eles, como vídeos, fotos ou mensagens diretas que permitem uma comunicação mais íntima e privada.


Todos os meus links na bio


Hoje, as redes sociais são um instrumento de trabalho para diversas pessoas, e para os produtores de conteúdo adulto não poderia ser diferente. O Instagram e, sobretudo, o X, são os principais meios de propaganda. Para se manter nesse mercado, ter perfis nessas mídias é essencial: “Se uma pessoa criar uma página no OnlyFans, por exemplo, e não divulgar nas redes sociais, ela não vai ganhar nada”, afirma Lily Sophiya.

Todos os criadores possuem perfis em pelo menos uma dessas redes sociais. Através de suas páginas, eles atualizam o público dos seus trabalhos, têm contato com possíveis clientes, disponibilizam links para suas plataformas de venda e acesso ao WhatsApp ou Telegram, e em alguns casos, realizam venda direta de conteúdo pelo chat.

Por meio das ferramentas presentes nessas plataformas, como, por exemplo, as opções de compartilhamento, agregação de links e diversos modos disponíveis para a interação entre os usuários, os produtores conseguem atingir vários públicos, de diferentes lugares do mundo e possivelmente direcioná-los para sites fechados de compra e venda, onde monetizam a sua influência.

“O tipo de conteúdo que eu gravo hoje em dia para as redes sociais abertas é mais apelativo”, comenta Martina Oliveira. As publicações têm o propósito de conseguir mais assinantes para as plataformas de venda, como o OnlyFans e a Privacy. Por isso, as fotos e os vídeos disponibilizados são para instigar o consumidor.

Tudo é estrategicamente pensado. Se algum texto acompanha a imagem, por exemplo, normalmente os criadores utilizam palavras de duplo sentido como “a minha boca na sua, rola?”, sem o uso da vírgula. Tudo que é postado tem o objetivo de conquistar mais visibilidade e despertar a curiosidade das pessoas.

Assim como as imagens têm a intenção de deixar um “gostinho de quero mais”, a interação pelas redes sociais também é limitada. Para conseguir ver outros conteúdos e ter um contato constante e direto com o produtor, os usuários são incentivados a assinar as plataformas.

Mais uma estratégia utilizada para conquistar clientes é divulgar nas mídias as parcerias feitas com demais produtores. Se envolver em polêmicas nas redes sociais também pode proporcionar o crescimento de seguidores nos canais pagos.

Martina, também conhecida como “Beiçola do OnlyFans”, viralizou na internet com um vídeo no qual abordava pessoas na rua e perguntava se elas preferiam “dois reais ou um presente misterioso”. Para aquelas que optaram pelo presente misterioso, ela mostrava os seus conteúdos sensuais. Na época, a criadora foi acusada de assédio por diversos usuários, mas ganhou muita visibilidade.

Recentemente, após ser notificada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) por fazer propaganda “inapropriada” em outdoor, Martina postou um vídeo em suas redes sociais ironizando a medida e anunciou uma promoção de 50% no valor de sua assinatura na Privacy. No dia seguinte, conquistou o primeiro lugar na plataforma e bateu seu recorde diário de faturamento, lucrando R$45 mil.



São nessas mídias que os produtores de conteúdo erótico e sexual, realizando um trabalho semelhante ao dos influenciadores digitais, constroem e tornam visíveis ao público todo o seu trabalho. Mantendo a produção constante, as chances de conquistar uma audiência aumentam: “Se você postar todos os dias, você vai crescer muito mais rápido”, conta Lily Sophiya.

As postagens são elaboradas pensando no público de cada plataforma e suas especificidades. O Instagram, por exemplo, é a rede em que os produtores compartilham um pouco da vida pessoal e fazem postagens sensuais, mas não explícitas, pois nessa rede os conteúdos considerados “inadequados” são derrubados frequentemente. Já no X, as publicações, em sua maioria, são relacionadas aos seus trabalhos e muito mais explícitas.

Além de não banir os conteúdos, o X também permite que o engajamento dos criadores seja maior, independente da quantidade de seguidores que possuem. A plataforma entrega as publicações para diversos usuários, até para aqueles que não seguem o perfil, o que faz com que o conteúdo tenha um alcance muito maior.

A utilização das mídias sociais é um fator determinante para o sucesso dos produtores. O trabalho nas plataformas abertas se torna tão intenso e necessário, que parte dos criadores relatam ter contratado assessores ou assistentes para os ajudar nas demandas dessas redes. O compartilhamento de vídeos e fotos, as interações com os consumidores e outros produtores e toda a divulgação feita nas redes sociais aumenta a visibilidade e, possivelmente, conquista novos pagantes.

Essa dependência de plataformas demanda esforços dos produtores que precisam direcionar o público para onde desejam. Esse fluxo, de acordo com Lorena Caminhas, beneficia o OnlyFans e a Privacy, por exemplo, pois todo o trabalho realizado pelos criadores nas mídias sociais levam o público a essas plataformas e as tornam grandes no mercado.


(A falta de) garantias e direitos do trabalhador sexual

Dado que as plataformas de conteúdo adulto não permitem que os produtores paguem por serviços de impulsionamento de seu material, isso os obriga a apelar para outras redes sociais na missão de ampliar a divulgação do seu trabalho e, consequentemente, conquistar mais assinantes. Esse é mais um dos dilemas enfrentados por esses trabalhadores dentro do mercado nacional ambíguo, no qual, ao mesmo tempo há muita procura por pornografia, mas se discrimina a prática profissional.

Alexandre Diorio, por exemplo, conta que, devido às políticas de uso restritivas e conservadoras vigentes no Instagram, TikTok e Facebook, muitos dos materiais que gostaria de publicar já foram barrados.


“Eu tinha vontade de me expressar artisticamente por meio dos meus vídeos e fotos, mas por ser uma pessoa naturalmente muito sexual, as ideias que, na minha cabeça, estavam fantásticas, não eram aceitas nas redes sociais convencionais”, lembra Alê.


Mas mais ainda do que ter os seus conteúdos impedidos de serem publicados, alguns produtores enfrentam uma situação ainda pior: a suspensão de seus perfis nas redes sociais. Esse foi o caso de Luana Couto.

A “Gata oficial do Flamengo 2021” perdeu o acesso à sua página principal no Instagram, que contabilizava mais de 80 mil seguidores. Em uma conta secundária, a produtora avisou os seguidores de que sua equipe jurídica já está tomando as devidas medidas para a recuperação.

Esse mesmo problema já foi enfrentado por Núbia Oliiver. Antes mesmo de entrar no OnlyFans, a modelo relata ter perdido fotos e até mesmo o seu perfil no Instagram por conta da política restritiva da plataforma.



Para Gabriela Almeida, essas situações ilustram “a forma como as plataformas adquirem uma soberania para estabelecer a sua própria regulação diante da ausência de uma regulamentação formal do Estado”. Essa condição precariza o trabalho, além de causar inseguranças entre os produtores que, de uma hora para a outra, podem se deparar com os termos de uso alterados.

Em 2021, o OnlyFans chegou a afirmar que iria banir imagens e cenas de sexo explícito. À imprensa, foi divulgado que os motivos para essa mudança seriam os problemas enfrentados pela empresa com as instituições financeiras. Supostamente, os bancos não queriam “manchar” a reputação de suas marcas pela associação com o conteúdo erótico.

Embora a decisão tenha sido suspensa menos de uma semana depois de seu anúncio, a notícia reverberou fortemente entre os produtores e consumidores da plataforma. O cenário fez reacender o debate sobre a necessidade de se regulamentar o trabalho executado pelos profissionais do sexo. Gabriela avalia que, apesar da maior visibilidade desse tipo de profissão, as discussões sobre a regulação da atividade permanecem muito pautadas por valores morais conservadores.

Desde 2001, o Ministério do Trabalho e Emprego reconhece o trabalho sexual como uma ocupação profissional. Portanto, não é uma atividade criminosa, como alguns pensam, contudo, isso também não quer dizer que seja um serviço com qualquer amparo do Estado.

Alessandra Margotti defende que, apesar da pessoa prestadora de serviços sexuais não ser criminalizada, tudo no seu entorno é. “No Brasil, é proibido pelo Código Penal a manutenção das casas de prostituição ou a existência dos ‘rufiões’ (popularmente conhecidos como ‘cafetões’). Então, é liberado se prostituir, mas desde que seja na rua, sem qualquer tipo de apoio”, destaca.

A pesquisadora lembra ainda que, mesmo diante à proibição, na realidade, as casas de prostituição e a figura dos cafetões intermediando a atividade sexual continuam a existir. Desse modo, a descriminalização sem regulamentação faz com que muitos dos profissionais do sexo submetidos a esse sistema sejam lesados, perdendo 50% ou 60% dos valores cobrados nos programas.

Na visão de Margotti, a regulação do trabalho sexual também traria soluções para diversos tipos de violências aos quais esses profissionais se expõem experienciam no seu dia a dia. Caso houvesse um regulamento desse mercado, estupros, roubos, não pagamentos de programas e vazamentos de materiais produzidos poderiam ser investigados de forma facilitada, bastando apenas ir a um juizado especial cível.

O crescimento da pirataria foi um tópico fortemente citado pelos produtores de conteúdo dentre os problemas experienciados por eles atualmente. Em redes sociais paralelas, em especial, no Telegram, tem se tornado cada vez mais forte a divulgação sem consentimento de fotos e vídeos de plataformas por assinatura em canais gratuitos com milhares de pessoas fazendo uso daquele material sem o devido pagamento.



Desta forma, é por essas e outras que, em um contexto de expansão do mercado sexual brasileiro, pensar a regulamentação dessas profissões parece ainda mais necessário. A advogada aponta que, hoje, no Brasil, a política pública mais próxima que se tem para promover mudanças nesse sentido é o Projeto de Lei n° 4211/2012 (também conhecido como Lei Gabriela Leite), proposto pelo então deputado federal Jean Wyllys, mas que segue há anos engavetado no Congresso Nacional.

O nome é uma homenagem a uma trabalhadora do sexo que, além de ser autora do livro “Filha, mãe, avó e puta – a história de uma mulher que decidiu ser prostituta”, fundou a ONG Davida, que luta em defesa dos direitos dos profissionais sexuais. Gabriela Leite ainda foi uma das responsáveis por ajudar a redigir o projeto original apresentado à Câmara dos Deputados.

Dentre as mudanças previstas pela lei, estavam a definição legal do que é trabalho sexual praticado por pessoas maiores de 18 anos e em plena capacidade de suas funções mentais e físicas e aquilo que é exploração de menores ou incapazes. No Código Penal vigente, não existe uma diferenciação entre os dois, o que coloca a prostituição como uma atividade equivalente à exploração sexual.

Por meio dessa normativa, a advogada aponta que seriam abertos caminhos para o reconhecimento do vínculo trabalhista de indivíduos que voluntariamente prestam serviços do tipo, garantindo-lhes, inclusive, direitos, tais como os de profissionais de outros setores. A medida também atacaria propriamente os crimes sexuais, isso é, os casos de exploração de crianças, adolescentes e pessoas sob coerção.